novembro 17, 2005

Na cabana junto à praia

Ano Novo, Cefaleia Velha, que é como quem diz, mais uns dias de vida perdidos à procura do sítio, Aquele Sítio, o oásis no deserto que vai tornar a noite de fim-de-ano de 2005 a melhor de todas as que já aconteceram e hão-de acontecer. O que, desde logo, me coloca um grande problema: o facto é que, nos últimos 26 anos, já vivi várias vezes a-melhor-passagem-de-ano-de-sempre, logo, bem posso ir bater tachos e panelas para a Praça do Comércio pois dificilmente vou conseguir atingir novamente o Orgasmo Festivo.
Mas como acredito em orgasmos múltiplos (?), para além de ser parolo e ter algum tempo livre, vou iniciar mais uma vez uma Cruzada pela Terra Prometida, ou seja, vou pôr todos os meus amigos, conhecidos, colegas, vendedores da revista Cais e comentadores dos meus blogs a telefonar para as agências de viagens, desde o Cabo de Sagres até Valença do Minho, na vã ilusão de encontrar o sítio perfeito. Este ano, por acaso, até estou com expectativas elevadas, já que vou contar com uma equipa de estudos de mercado em full-time - as pessoas que comentam as coisas que escrevo não têm, DE CERTEZA, mais nada para fazer, e assim sempre podem dizer aos amigos, aos pais e aos avós que estão a fazer uma pesquisa para um trabalho muito importante!...
Os critérios de pesquisa da casa perfeita são:

- tem de ficar perto da praia (de preferência dentro dela);
- tem de ser suficientemente grande para caberem lá dentro 30 pessoas, ou seja, tem de ter 3 quartos e uma sala;
- tem de ter pelo menos 2 casas de banho: uma com banheira, que será utilizada para cagar e mijar, e outra só para o gregório (esta pode ter poliban);
- tem de ficar próxima de outras casas, para podermos vandalizar quando estivermos todos bebêdos;
- tem de ter piscina (mas vazia, não vá alguém morrer afogado);
- tem de ser em Portugal, porque as discotecas e os bares fecham mais tarde;
- e, last but not the least, tem de ter um Lidl ou Dia a menos de 500 metros.

Tendo em conta que o preço não é problema, mas nunca poderá ser superior a 25 euros/noite/pessoa, tenho a certeza de que vou encontrar, cá em baixo, muitas alternativas ao Céu. Em último caso, posso sempre pegar na minha namorada e alugar uma cabana junto à praia, como o José Cid, e (tentar) ter orgasmos múltiplos durante as 12 baladas - o único senão é que o José Cid era roto (ora cliquem lá no título do post e digam o contrário).

novembro 11, 2005

Chilreios à Sexta

Aviso a todos os desgraçados que diariamente fazem a travessia Barreiro-Terreiro do Paço-Barreiro nos luxuosos catamarãs postos ao serviço da plebe: tenham medo! Tenham muito medo! Façam os possíveis por se engripar e entupir o nariz, seja com muco nasal abundante ou com meros tufos de algodão-em-rama. Vão a uma (das 3469957689 que existem em Portugal) lojinha do chinês e comprem uma máscara de oxigénio em 2ª mão, ou um daqueles comprimidos que os espiões usam nos filmes para se suicidarem quando são apanhados pelo eixo do Mal. Ou então cortem no tabaco e no pequeno-almoço no café da esquina e passem a ir de carro para Lisboa, ou onde quer que desperdicem o desgraçado do vosso dia. Mas, por amor de Deus, evitem... bem, vou passar a explicar.
Hoje, sexta-feira, bateram as 17.30h no meu pulso e imediatamente me fiz à estrada, qual rouxinol que chilreia alegremente enquanto voa do seu buraco com cheiro a mofo direito às coloridas flores de Primavera que povoam os campos Alentejanos nos tempos de seca. E assim iniciei as sete provas de Hércules, neste caso, a maratona Oeiras-Baixa da Banheira, com um sorriso nos lábios, porque a partir daquela altura já era Sábado. Já cheirava a Liberdade.
Depois de caminhar por montes e vales, solavancar no comboio e cheirar sovacos multiculturais num autocarro apinhado de pobres, cheguei à embarcação que, qual nau dos Descobrimentos, me ia levar até às terras de sonho e futuro da Margem Sul. Entrei no dito cujo - sempre a sorrir e chilrear - e encontrei o meu lugar junto de um senhor de provecta idade, igualmente sorridente e chilreante, que trajava elegante casaco de tweed verde escuro de marca incerta e calças de sarja cinzentas-escuras Macmoda, correspondentes sem dúvida a um respeitável 46 ou 48, pela medida europeia.
Já sentado na minha poltrona de pele de porco, ou alcatifa, ou lá o que é aquilo, recostei-me e preparei-me para fechar os olhos e sonhar, sonhar com flores ainda mais coloridas, com a forma de costeletas de borrego fritas acompanhadas por cogumelos e arroz, quando me começou a cheirar a esturro. E não eram as costeletas.
Arregalei os olhos, assustado, e senti um grito seco ecoar, mudo, na minha garganta, enquanto o odor a esturricado cedia lugar, num ápice, ao fedor mais hediondo que alguma vez atingiu os meus receptores olfactivos. Virei-me para o lado, a suar e com o coração a bater descompassadamente, convencido de que estávamos a ser atacados por armas químicas e preparado para dar a minha vida pela Pátria, ou pelo menos arrastar-me até à borda do barco e saltar para o Tejo, quando percebi. Não eram armas químicas. Não era a casa de banho que estava com a sanita avariada. Era Ele.
Então não é que o sacana do cota do tweed era uma máquina de peidos ambulante, que se rasgava todo a um ritmo de fazer inveja ao mais tecnicista dos bateristas punk? E fazia-o abafando a rajada com as bordas, de modo a disparar sequências de "pantufas" assassinas. Bem, só vos digo que fiquei de tal forma atordoado com a primeira dose que não fui capaz, por mais que o meu cérebro implorasse, de mexer um músculo sequer para me salvar. Felizmente, estes barcos demoram apenas 20 minutos a fazer o trajecto e o homem só abriu a loja a meio do caminho. Ainda assim, o suficiente para me terem levado de urgência para o hospital quando o barco atracou, dado que fiquei imóvel no meu lugar, de olhos esbugalhados e a babar uma substância verde e viscosa.
Mas não faz mal, porque hoje é sexta-feira e só por isso eu chilreio seja onde for. Pensando bem, talvez fosse essa a razão do peculiar chilrear do meu fedorento companheiro de viagem - afinal a sexta-feira é mágica para todos, trabalhadores e reformados, jovens e velhos, continentes e incontinentes. E a mistela que me deram há bocado para jantar aqui no Hospital, se bem que não fossem costeletas de borrego, também não era nada má.
Mal posso esperar pelo almoço de amanhã.